sexta-feira, março 20, 2009

Muleta

Ele andava, usava o corpo erguido, com dignidade, e estofava suas roupas modestas, idosas, de homem. Andava, olhava no horizonte toda aquela gente com pressa; implacável andava por sobre as feridas da calçada feita em pedra portuguesa.

Segurava, fechada em sua mão direita, a coisa, deixando pender os braços de maneira calma. Por ser metal, não saberia dizer se lhe parecia leve ou pesado; porque todo metal é imprevisível: posso erguê-lo e posso não, posso me queimar, posso me arrepiar, posso nada. De qualquer modo, a coisa não o desequilibrava, aquele bastão posto no lugar errado, mas que apenas não tendia. O homem e a coisa, perpendicularmente, dançavam os passos de quem anda.

Era o último meio-dia daquele verão, e o homem andava impune, com uma muleta que não mais o servia.

Atravessou a rua.