sábado, setembro 26, 2009

Visita de fim de tarde

Vem ela bater na porta da gente

Que esquece rápido que padece rápido

Logo a gente que mora tão bem

Que já tem guarda-chuva

Tem chave e tem grade

Tem sorvete lá na casa da gente

Tem chá mate

 

Vem ela bater na porta da gente

Que é limpo, que usa sabonete

Lustra o sapato

Segura na asa da caneca

Não tem nada a ver isso de incomodar

Logo a gente que se deita cedo

Que assiste a novela e o telejornal

 

Vem ela bater na porta da gente

Não dá pra ver nada

Cegou nosso olho-mágico

Logo à gente ofereceu umas balas

De anis

E, depois, umas de arma.

 

quarta-feira, setembro 23, 2009

Estou inquieta. É o imaterial que me falta. Sabe Deus lá quando vou ter o que realmente desejo. O que desejo de desejo que não se gasta. Eu poderia ter as palavras e elas me funcionariam, como uma soma, como um paliativo, como sombra de algo que parece hesitar chegar... mas não hesita. A coisa está caminhando à caminho, mesmo que esteja indo pelo caminho mais longe. Talvez imitando a coisa eu possa fugir dos assaltos. Fugir dos assaltos. Eu quero o paraíso, e quero o paraíso do tempo. E quero o verbo que é o paraíso do tempo, e comê-lo feito chocolate que deixo fechar meus olhos, amar minha língua e me aliviar. Quero o pedido da minha alma lido e apreciado, e saciado ou, pelo menos, distraído. Quero a palavra porque ela me atormenta o que não consigo nem saber, e me prende, e me solta, e me sacode, e me faz chorar. A palavra me faz chorar, e limpo com sofrimento os meus olhos, purifico meu sentimento, e sou mais perto de mim, e mais perto de gente – que também eu sou. Parece que as palavras são formiguinhas paumandadas por vozes que não escuto, vozes com mandos imprevisíveis. A voz do verbo ser, da primeira pessoa, do singular, dita por um enorme eu que desistiu de continuar.  Não valeria o tempo de se predicativar. Então, se há o tempo, cativa-me, com as palavras que estão soltas, aéreas, eternas, em bolhas. Meus ouvidos aprenderam a falar, aprenderam a conversar com o silêncio...  e quando meu coração apertar, voz, me segura - com as mãos de um folêgo que ainda não conheço. 

segunda-feira, julho 06, 2009

O que os raios não alcançaram

Encontrei uma poesia  bonita e vou colocar ela aqui para que todos possam ler. Ela faz parte de um livro do Gérard de Cortanze, chamado O movimento das coisas, no qual nenhuma das poesias tem nome. 

Interativo, não? 

Leia, deleite-se 
e mostre pra sua mãe.
Ela oculta a sombra
com pinturas,
com outras sombras
que ela cola,
cose,
procura-as
no oriente do seu
ventre, atrás
das montanhas de cobre.
Ela encontra a sombra,
aprisiona-a
na voz
que perde a cor verde,
como uma árvore
à espera
de um outro rastro de
argila gelada, de cera,
de memória de abelha,
de longas fitas amarrotadas,
de saias plissadas.
Mas a mão treme,
aguarda a paisagem que
se esboroa
o trino
afogado na lua de betão.
Fitando a amiga
muito secreta,
atenta, no seu reino.

segunda-feira, maio 11, 2009

Enquanto não pisco

Os olhos são

(o fascínio) 

do corpo


Quem olhar

(nos olhos)

verá brilho


E atrás do

(que faz o)

pensamento


Tem-se

(algo olhando da janela... deve ser)

alma

quinta-feira, maio 07, 2009

Cambaleio

Pisaram no mundo e encharcaram os pés de sangue. Nós, no sangue ainda morno. Gostamos de aquecer nossa frieza nas vísceras no outro. Deus está a ponto de vomitar, e saiba não prefere assim, humanidade que não fazemos jus ao nome. Jorramos, entre cortes, decepadas e mutilações. Tudo parece violência e raiva. Tudo parece vingança, e eu preciso chorar. Preciso chorar pro meu desengano descer pelo meu rosto contorcido de horror e salgar minha boca de espanto, e me dar alguma sede. O que eu fiz? Me sinto enganada por cada lance de olhar que faz brotar um paradoxo e eu estranho o mundo meu quintal. Nós somos os capazes de exageros, nós somos os covardes. Nós, porque a causa e o efeito estão atados. Tem cambaleio e tem a queda, que é da minha altura.

Tenho remorso da ordem, porque o reflexo já desarrumou o amanhã, como uma mão que falha em segurar um copo que caiu da mesa. Depois, o desânimo de não conseguir, o impacto e as trincas que partiram o inteiro. O caos, os cacos e o corte. A marca e o sangue que brota vermelho, e suja a fragilidade humana de verdade, e faz escorrer a vaidade na gota que desce pelo canto. Uma bofetada na consciência e a espera para ver a cor dos olhos. Sacode brusco o desespero, e os sonhos caem ao redor, muito frágeis. Sonho de calçada que não é casa, sonho de casa que não é prisão, sonho de prisão que não é quem mora dentro, sonho de quem mora dentro ter coração. Sonho de coração, que é sangue bem empregado. Sonho de sangue bem empregado, que é Deus. Sonho de Deus, que é abonitar esse ferro fundido. Tem cambaleio e tem o fôlego, que é do tamanho do infinito.