sexta-feira, outubro 03, 2008

Não tão cedo

Outro dia, numa dessas minhas aulas legais, vi um filme que tinha uma cena muito boa. Um cara está dirigindo num lugar parecido com o Mergulhão, e um engarrafamento o pára totalmente. Ele começa a olhar ao redor observando e sendo observado pelas pessoas que estão nos outros automóveis, até que alguma coisa dentro do carro começa a fazer fumaça e ele se vê sufocado. A partir daí, de um modo muito angustiante, o cara tenta sair do carro. Ele bate nas janelas, empurra, se estica... dá pra ouvir o ruído que suas unhas fazem arranhando o vidro. Porém, as pessoas olham pra ele com curiosidade indiferente. Entendem o desespero, mas não ajudam.

Engraçado como entender uma coisa pode servir pra absolutamente nada.

Dentro de um ônibus, outro "outro dia", estava pensando em como não sei. Eu olho para as pessoas dentro do ônibus... e elas nem se quer dão conta disso. Eu nunca vou saber o nome de todas elas. Nem idade, nem o que elas gostam de comer, nem se elas tem uma família feliz ou gostam do que fazem todos os dias. É impressionante como elas mudam a cada viagem, mesmo que eu pegue o ônibus na mesma faixa de horário. Será que alguém aqui já passou férias na Disney? Qual dessas pessoas que estão aqui vai morrer primeiro? E se alguém aqui for um psicopata? Será que tem mais alguém aqui dentro se pensando nisso também?

Não dá pra saber. Simplesmente não dá.

A gente se propõe adquirir e produzir conhecimento, transformá-lo, transferi-lo. Sim, eu concordo, é mágico. Mas quando me deparo com as pedantes conclusões sobre o Ser Humano, lembro que existe uma maneira menos egocêntrica de entender o outro. Faz muito tempo desisti de uma palavra chamada objetividade nesse processo de aprendizagem. O translúcido tomou o posto do transparente. As coisas não são o que parecem, porque o que parece é aparência, e não essência. A banalidade é apenas mais uma máscara. Me recuso a aceitar que o ser humano é simples, previsível. A gente raciocina, tem consciência, culpa, orgulho, gosto, sei lá, mil coisas. Com pós-modernidade ou não, com culto ao individualismo ou não, nossas experiência pessoais nunca se igualarão plenamente a de pessoas que existiram, existem ou existirão, mesmo que nos vendam insistentemente a idéia oposta. O que nós sabemos, ainda que seja volumoso, é pífio diante de tudo o que é de verdade, o que é na realidade. E isso, ironicamente, é bastante simples de entender.

O príncipe Michkin, diretamente da imaginação de Dostoiéviski, disse que "Para atingir a perfeição, é preciso primeiro saber não entender muitas coisas" e Paulo, escrevendo aos corintos, compartilha o que ele pensa sobre, dizendo que "Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado."

Acredito nisso. Acredito que existem etapas. Se a gente as pula, a vida fica capenga. Não é uma questão de calculismo, é uma questão de conveniência. É um fato inegável que não vou entender muitas coisas tão cedo. Também não preciso entendê-las tão cedo. Lembra? Curiosidade indiferente.


O que importa mesmo, o que faz a diferença é o que eu faço com o que eu aprendo, com que eu já sei. O conhecimento genuíno serve ao outro, enquanto me molda o caráter. E o mais genuino deles é o amor. Tanto é que o ato de amar é o que legitima o conhecimento diante da humanidade e justifica seu uso. (caramba, isso é muito bonito, né?)

E como já cantarolava Herbert Viana: "saber amar é saber deixar alguém te amar". Deus não poderia nos ensinar coisa melhor.


[aqui vai o trecho do filme descrito no primeiro parágrafo. bom proveito.]